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A medida, aprovada às pressas e sem quórum, suspende direitos constitucionais. Espanha e França também retiram embaixadores... E o Banco Mundial bloqueou créditos!
A pedido do presidente de fato instalado pelo golpe de domingo, Roberto Micheletti, uma minoria de parlamentares aprovou nesta quarta-feira (1º) um decreto que estabelece o estado de sítio na prática: foram suspensas as garantias constitucionais da cidadania, inclusive o direito constitucional de manifestação. A medida coincide com um agravamento do isolamento internacional dos golpistas e uma retomada dos protestos dentro do país.
Fontes jornalísticas de Honduras, contrárias ao golpe, puseram em dúvida a legalidade da decisão do Congresso. Argumentaram que as medidas de emergência exigiriam o voto da maioria dos 128 congressistas; apenas quatro dezenas deles estavam presentes quando a suspensão de direitos foi votada, por unanimidade.
Direitos do cidadão suspensos
Micheletti negou que se trate de um decreto de estado de sítio. A negativa foi interpretada como pró-forma, já que direitos constitucionais básicos do cidadão estão suspensos.
Durante a vigência das medidas de emergência, o exército poderá entrar em domicílios partidulares sem ordem judicial. Cidadãos poderrão ser presos por mais de 24 horas sem acusação formada. A livre associação, a livre manifestação e a livre circulação foram suspensas entre as 22 e as 5 horas – horário de vigência do toque de recolher, decretado no dia do golpe.
O decreto foi aprovado em um único debate (os outros dois previstos no regulamento legislativo foram dispensados). Os direitos constitucionais suspensos são os previstos nos artigos 71, 78, 79, 81 e 99 da Constituição.
A Comissão de Familiares de Presos Desaparecidos de Honduras considerou "uma violação grave" a suspensão do artigo 71º, que proíbe a prisão se culpa formada. Alega que ela permitirá "a prisão por tempo indeterminado de um cidadão.
Outra suspensão considerada grave é a do artigo 78º, que garante a liberdade de associação e de reunião desde que não contrariem a ordem pública e aos bons costumes. O país vem assitindo a manifestação de rua quotidianas desde o dia do golpe, apesar da violenta repressão que atingiu o protesto de segunda-feira.
Isolamento crescente
A imposição do estado de sítio coincidiu com uma maior deterioração do isolamento dos golpistas hondurenhos. Até agora nem um só país reconheceu o governo de fato de Micheletti. Ao contrário, ele foi desautarizado por aclamação, pelos 192 países-membros da Assebléia Geral da ONU, na terça-feira, e pelos 34 da OEA (Organização dos Estados Americanos), na quarta. Estes últimos exigem a volta "imediata, segura e incondicional" do presidente Manuel Zelaya à presidiencia, sob pena de suspender Honduras da Organização.
Nesta quarta-feira, os governos da Espanha e da França anunciaram que "chamaram para consultas" os seus embaixadores em Tegucigalpa. O mesmo gesto de protesto diplomático já tinha sido tomado pelos principais países latino-americanos.
O chanceler francês, Bernard Kochner, embora compondo um governo da direita, declarou que seu país "condena firmemente a derrubada da ordem constitucional em Honduras". Já o chefe da diplomacia espanhola, Miguel Angel Moratinos, anunciou que pedirá a todos os 27 outros membros da União Europeia (UE) que adotem a mesma medida. A UE, que condenou o golpe já em suas primeiras horas, decidiu suspender as negociações em curso visando chegar a acordos de cooperação com Honduras.
O Banco Mundial (presidido, quem diria, pelo americano Robert Zoellick, ex-assessor de George W. Bush) congelou os desembolsos de empréstimos contraídos pelo país centro-americano. E o Pentágono informou nesta quarta-feira que devido ao golpe suspendeu as atividades militares que realiza ao lado de Honduras – onde mantém 600 soldados.
A elite contra os "ditadores eleitorais"
A situação no interior de Honduras também evoluiu nesta quarta-feira em desfavor dos golpistas. É verdade que os veículos de comunicação favoráveis a Micheletti noticiaram jubilosas manifestações de apoio em diversas cidades, semelhantes à realizada terça-feira na capital, com a presença do próprio presidente dos golpistas, e do general Romeo Vásquez, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e autor material do golpe. Porém os partidários do presidente Manuel Zelaya voltaram à carga com uma passeata de milhares de pessoas na capital.
A marca social das manifestações é bem distinta. Aquelas pró-golpe mobilizam a reduzida elite econômica hondurenha, e principalmente seus empregados. Noticiou-se que três maquiladoras (fábricas inteiramente voltadas para a exportação) de Tegucigalpa suspenderam a produção na terça-feira, por ordem dos seus patrões, para que os trabalhadores engrossassem o ato "pela paz" na terça-feira, na praça central de Tegucigalpa.
Um cartaz exibido nessa concentração proclamava: "Não aos ditadores eleitorais, Chávez, Evo, Ortega, Zelaya". O protesto contra os presidentes eleitos da Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Honduras é uma confissão que poderia ser assumida por todas as minorias oligárquicas latino-americanas, enfurecidas com o sucesso eleitoral de seus maiores desafetos.
Possivelmente foi este o conteúdo real de um possível ato falho de Enrique Ortez, nomeado por Micheletti para a quase impossível missão de chefiar a diplomacia golpista. Ortez disse na terça-feira que "existem 25 mil pessoas prontas para deter" Zelaya, caso este cumpra a promessa de desembarcar no sábado de volta a seu país. É possível que 25 mil seja uma estimativa bastante aproximada do tamanho das classes dominantes hondurenhas.
Para efeitos de propaganda, os golpistas de Tegucigalpa portam-se como representantes de uma nação ultrajada em sua soberania; prometem que se Zelaya desembarcar será preso sob 18 acusações, entre elas traição à pátria, abuso de poder e corrupção. Por trás das cortinas, afanam-se em busca de uma saída negociada, talvez com a ajuda do embaixador dos EUA, Hugo Llorens, que ao contrário de seus colegas não foi "chamado para consultas".
Os próximos três dias serão decisivos para o desfecho da crise. Este tanto pode ser uma vitória da democracia sobre os golpistas como uma alternativa conciliatória, ou ainda alguma mistura das duas. A simples consolidação da ditadura de Micheletti não parece ter chances reais.
Da redação, com agências
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