quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Artigo Moradores de rua: o problema é de todos nós

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Estruturalmente, o capitalismo já deu mostras de que essas pessoas não estão na mira de suas preocupações, a não ser jogar o problema embaixo do tapete. O sistema vigente já demonstrou que ninguém esta disposto a abrir mão de um dólar sequer em benefício dos miseráveis desse mundo. Um outro mundo é necessário.

- por Edgar Borges Júnior, professor de História

Para aqueles que não perderam a sensibilidade, ver seres humanos pedindo esmolas na rua ou jogados em algum canto, muitos bêbados e outros drogados, causa uma grande indignação. Indignação não só pela falta de políticas públicas que fossem na direção de começar a resolver ou amenizar esse problema, mas indignação da nossa condição humana. Seguramente essas pessoas não estão na rua porque faltam alimentos ou condições financeiras de lhe construir algum tipo de habitação. A grande questão é a concentração de renda: poucos milhares de pessoas no mundo possuem grande parte da riqueza produzida.

Talvez só os seres humanos abandonem um semelhante seu a própria sorte. Quem não se lembra do episódio recente em que um cachorro foi atropelado em uma estrada e outro cão se esgueirou em meios aos veículos para resgatá-lo na rodovia? E acredito que assim seja com a maioria das espécies. Além de muitos não mais se indignarem com meninos que habitam as ruas de nossas cidades, o poder público, ao invés de criar políticas que trouxessem algum conforto a essas pessoas, ainda age para tirar o pouco que elas têm. É a velha prática de encarar esse problema com soluções “higienistas”: literalmente varrer essas pessoas das vistas de onde circula a elite e jogá-los aos cantos mais periféricos das cidades. Como a elite não vai mesmo nesses locais, se não existirem mendigos onde eles circulam, é como se esse problema não existisse.

Ao fim do governo da Prefeita Marta Suplicy em São Paulo, ano de 2004, mataram sete mendigos que dormiam nos arredores da Praça da Sé, centro da cidade. Foram mortes covardes, contra pessoas indefesas que simplesmente dormiam. Cinco anos depois, ninguém foi sequer apontado como suspeito dessas mortes. Na época, boatos deram conta de que as mortes foram encomendadas por comerciantes da região, incomodados com os mendigos que faziam suas necessidades nas ruas e pediam esmolas aos transeuntes. Mas nada foi provado. Certamente até hoje esse tipo de crime ainda ocorre em diversos locais, em 2004 só se chamou atenção porque foram muitas mortes em questão de poucos dias. Como o normal é um assassinato aqui e ali desses mendigos, nada é divulgado.

Também na capital paulista, dessa vez já na gestão de José Serra, foi realizada uma grande reforma na Praça da República. Além de afastar as pessoas que ali montavam suas barraquinhas pra vender artesanato e bijuterias (dentre os quais muitos bolivianos, que devem ter escapado do trabalho escravo nas confecções insalubres do Bom Retiro), essa reforma trouxe a novidade dos bancos anti-mendigo. Funciona assim: os bancos, antes, eram de madeira ou alvenaria, com cumprimento de um metro, com encostos. Desde então, os bancos são divididos em três, por barras de ferro, só deixando espaço para as pessoas sentarem. Não é mais possível deitar nesses bancos, que agora não tem mais encostos.

Outra medida que esta se tornando comum é o cercamento de praças públicas. Após determinado horário, guardas tocam quem estiver dentro da praça e fecham seus portões. A praça é um local privilegiado para os moradores de rua se proteger uns aos outros, pois tem grandes espaços onde eles podem dormir próximos e permanecerem alertas contra as ameaças das cidades. Sem as praças, são obrigados a se dividir pelas marquises das cidades, muito mais sujeitos a violência. Aqui na cidade de Jundiaí se adotou tal prática na Praça da Bandeira, antiga rodoviária: a praça foi cercada e após as 21 h (salvo engano) é esvaziada e fechada. Há algum tempo vem se discutindo o cercamento da praça da Igreja da Vila Arens, pois os mendigos estariam incomodando os moradores da região. E assim, aos poucos, os moradores de rua vão sendo enxotados para as periferias.

Nesse ano de 2009, temos três novidades que tem tudo pra fazer sucesso entre os governos conservadores desse país. A primeira é o fim dos albergues no centro da cidade de São Paulo, onde os moradores de rua podiam dormir, se alimentar e tomar banho. Deixaram somente os albergues de periferia, principalmente na zona leste, para onde essas pessoas não gostam de ir, pois sabem que lá é muito mais complicado de se conseguir algum trocado para sua sobrevivência. Mesmo sem os albergues, sabem que no centro podem conseguir com mais facilidade os meios para que continuem vivos. Além de continuarem visíveis para toda a sociedade.

A segunda novidade vem da Rua Oscar Freire. Os lojistas da área incentivam seus consumidores que não dêem esmola aos moradores de rua da região, mas sim uma espécie de vale que só pode ser trocado nas regiões periféricas da cidade. A intenção é clara: ninguém quer realmente ajudar essas pessoas, apenas mante-las afastadas.

A última é mais engenhosa: para evitar que as pessoas dormissem embaixo da marquise de um prédio, instalaram nesse local um sistema de chuveiro eletrônico. A cada cinco minutos, cai um jato d’água na calçada. Quem vai conseguir permanecer ali? Consultada, a justiça deu aval para tal mecanismo e agora algumas reportagens mostraram que muitos outros prédios pretendem adotar a novidade.

Isso sem falar na rampa que o Serra mandou construir numa passagem da Avenida Paulista, onde esses moradores costumavam se aglomerar, e com a rampa não é mais possível permanecer no local, e a intensa perseguição contra os catadores de papelão com suas carroças e as cooperativas próximas ao centro de São Paulo.

Qual a saída pra essa situação? Estruturalmente, o capitalismo já deu mostras de que essas pessoas não estão na mira de suas preocupações, a não ser jogar o problema embaixo do tapete. O sistema vigente já demonstrou que ninguém esta disposto a abrir mão de um dólar sequer em benefício dos miseráveis desse mundo. Um outro mundo é necessário.

Como sabemos que mudanças nessa magnitude são tarefas pra várias gerações, que ao menos se esforçassem para amenizar a dor dessas pessoas. Se a cidade de São Paulo tem mais de 10 milhões de habitantes, e a estimativa é que não tenha nem 10 mil moradores de rua, é óbvio que algumas soluções reais a essas pessoas afetariam muito pouco o orçamento da cidade. Contudo, os governantes que lá estão, apoiados por grande parte do eleitorado, preferem tratar essas pessoas como problema de higiene pública, onde basta retira-los de onde as pessoas se sentem incomodadas e jogá-los em algum canto periférico. E lutemos todos para que medidas desse gênero não se espalhem para as pequenas cidades, como Jundiaí. Não queiramos também imitar esse tipo de coisa que vem da capital, mas tratemos nossos moradores de rua com a dignidade que qualquer ser humano merece. E certamente essa é uma das preocupações do PC do B.

2 comentários:

  1. Há várias especies que abandonam seus "semelhantes", na verdade. Leões matam filhotes de outros machos, a adoção de filhotes de urso é rara, etc.

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