quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Assim como Lula, Netinho luta pra vencer o preconceito nas urnas

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Por oito horas o Vermelho acompanhou um dia de campanha do candidato do PCdoB ao Senado por São Paulo, Netinho de Paula. Conversamos com moradores de sua cidade, comerciantes da região, seus cabos eleitorais, sua equipe de campanha e, é claro, com o próprio Netinho. O resultado você confere na reportagem de Carla Santos.

São Paulo, 29 de agosto, 6h da manhã de domingo. Acordo com a missão de acompanhar um dia de campanha do único candidato negro ao Senado por São Paulo, Netinho de Paula. Os 22 quilômetros que separam a capital até Carapicuíba, cidade natal do candidato, passam rápido e às 9h, em ponto, chego lá.

Desço da estação e caio no meio de um vale de montanhas, repleto de casinhas erguidas sobre um labirinto de asfalto. Com quase 400 mil habitantes, o município que conseguiu sua independência de Barueri em 1964, segue em ritmo lento. No terminal, ao lado da estação Carapicuíba, nenhum sinal do ônibus para a Cidade Ariston III. Escuto a batida do rap pelas esquinas, me animo. Mas olho no relógio, preciso chegar rápido. Há pouca gente na rua. Seu Ivan, taxista simpático explica, “isso aqui é uma cidade dormitório, todo mundo trabalha longe daqui”.

Por volta das 9h15 chego na rua Rafard, local marcado para a concentração de uma caminhada com carreata. Pelas ruas estreitas e sem calçadas, carros e pessoas se misturam. No trio elétrico ou no chão, bandeiras balançam ao som do jingle, inspirado no sucesso Cohab City, “esta é a grande festa da democracia, muitos sonharam com isso! Vamos Mercandante (governador) e Netinho (senador)! Tô chegando no Senado pra ajudar minha galera...”.

Todo mundo erra

“Você é o Alessandro?”, pergunto, “Sou eu sim”, responde ele. O “Alê”, como é chamado pela turma, é responsável pela campanha de rua. Coordena cerca de 100 pessoas e as equipes de som. Trabalha entre 12 a 14 horas por dia. Sempre produziu shows. É a primeira vez que ele faz uma campanha eleitoral. Você deve estar pensando: “que chato”. Nada disso, o Alê garante: “a gente faz a campanha com muita alegria”.

Qual a diferença entre fazer shows e fazer a campanha eleitoral? “A diferença só é que tem que votar”, explica Alê. O jovem é parceiro de Netinho de longa data, “desde 1990, época da montagem do Negritude Junior”, conta. Para ele, a entrada de Netinho no PCdoB é motivo de orgulho. “Ele é gente da gente, gente do povo, pode defender as nossas origens.”

Mas e essa história da agressão à ex-mulher? “Isso é passado. Todo mundo erra. Ele (Netinho) já pediu desculpas publicamente a todos”, responde. Apesar disso, ainda há quem se ampare no fato para atacar o candidato. Para estas pessoas, todo mundo pode mudar, menos aqueles que vêm da periferia, os negros e, no caso, um comunista. Parecem esquecer que erros também geram mudanças e acumulam experiência de vida.

Elite não engole Lula

Por volta das 10h, começa a caminhada com carreata pela Cidade Ariston III. Sérgio Ribeiro, prefeito de Carapicuíba, é quem puxa a frente. Ao lado dele estão candidatos e colegas de PT. O prefeito popularmente chamado de “Serjão”, devido ao seu grande porte, passa cumprimentando pelo nome os moradores. “Daqui a pouco o Netinho vai estar aqui com a gente. Essa é a turma do Lula! Essa é a turma da Dilma!”, avisa ele.

A sua relação com Netinho começou há mais de 25 anos. “Eu conheço o Neto quando nem grupo de pagode ele tinha.” Para Serjão, “há uma certa elite brasileira que não aceita que gente pobre da periferia possa chegar à posição social que ele (Neto) chegou”, e emenda, “eles não aceitam gente do povo, como não engolem o Lula”. No carro de som, o prefeito pedia: “vamos lá minha gente, vamos eleger o primeiro senador negro de São Paulo”.

Muito à vontade, Serjão pergunta à moradora, encostada no tanque de um barraco, pelo marido dela. Ela acena, diz que ele está pela rua. “E não ajudou a senhora a lavar a roupa? Tem que pôr esse homem pra lavar roupa também!” Envergonhada, ela sorri enquanto que as demais mulheres da caminhada aplaudem a fala do prefeito, eleito em primeiro turno com 54,22% dos votos válidos.

Netinho e PCdoB, tudo a ver

Quando Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, sobe no carro de som, Serjão lhe faz um pedido. “Renato, eu quero que você agradeça em meu nome e em nome de toda a população de Carapicuíba ao ministro do Esporte, Orlando Silva. Graças ao Orlando, Carapicuíba vai ganhar um Parque da Juventude. Você não pode imaginar o quanto isso vai mudar a vida da gente.”

O PCdoB de Netinho e Orlando é hoje um partido em crescimento. Saltou de 187.247 filiados em 2006 para 268.924 em 2010, um crescimento de 69%. Ainda pode eleger três senadores no Brasil e aumentar a bancada de deputados federais e estaduais nestas eleições de 2010.

Diante deste crescimento, alguns setores da mídia se apressam a chamar o PCdoB de “neocomunista das celebridades”. O que você pensa disso? “Isso é uma interpretação deles”, responde Renato. “O PCdoB está com lideranças do povo. Isso é uma grande conquista. Agora, o partido nunca abandonou seus fundamentos. Eles imaginam um PCdoB isolado, cheio de preconceitos. O que incomoda é que partido está crescendo, essa que é a questão.”

Medida do voto é a sola do sapato

Por volta do meio-dia, sol a pino, Netinho de Paula chega na caminhada. Ele não consegue andar. Pessoas se amontoam ao seu redor. Crianças gritam. Algumas mulheres choram de emoção. Homens também tentam segurá-lo. Todos querem um aceno, um olhar. Depois de algum esforço, a equipe de campanha consegue fazer um cordão de segurança. Volta e meia alguém o rompe para dar um beijo no candidato.

“Negão, deixa eu ver a sola do seu sapato?”, fala Serjão a Netinho, “Olha, tá fininha.É isso aí, na campanha a gente não pode parar”, aconselha o prefeito. “Eu quero agradecer de coração a todos vocês que vieram aqui”, diz Netinho, “agora eu peço que todos também olhem a sola do seu sapato, se não estiver fina é sinal de que agente tem que trabalhar mais”.

O pedido não é em vão. Segundo pesquisa Datafolha divulgada no dia anterior (28/08), Netinho cresceu sete pontos, está com 24% de intenção de voto, e em empate técnico com o segundo colocado, Orestes Quércia (PMDB), que tem 26%. Na liderança para o Senado, Marta Suplicy (PT) segue em primeiro lugar com 32%. Um pouco mais e a chapa de Dilma pode fazer dois senadores em São Paulo.

“Ele vai ajudar muita gente”

Enquanto Netinho almoça frango com pão no Clube Vasquinho, um prédio simples de dois andares na esquina do morro, falo com seus cabos eleitorais. “Sou Eliane da Silva (foto ao lado).” Apesar de ser beneficiada pelo programa Bolsa Família, que já atende 12,6 milhões de famílias, ela diz que ainda não sabe em quem vai votar para presidente. Já para o Senado, não tem dúvida: “Mesmo que não trabalhasse para ele, votaria no Netinho. Ele vai ajudar a mudar a vida da gente.”

As mulheres são a maioria de seus cabos eleitorais e dão o tom da campanha nas ruas. Anitta Araújo (foto do centro) diz que acorda todos os dias às cinco horas da manhã. “Dou de mamar ao meu filho (que tem quatro meses), tomo café, e vou trabalhar.” E como é o seu trabalho? “Entrego papéis.” O que você acha do Netinho? “Ele é muito legal como pessoa. Espero que tire as crianças da rua.” Vai votar em quem para presidente? “Ah, eu voto na Dilma.”

As crianças também são fãs do candidato. “Esse aí adora o Netinho”, explica dona Ana dos Santos (foto abaixo) sobre o neto, Paulo, de três anos. Adesivado e com panfletos na mão, basta Paulo ouvir o nome do candidato para fazer festa. “Eu espero que como senador ele ajude os deficientes. Tenho um filho que precisa de ajuda. Lá em casa, todo mundo é Netinho”, empolga-se. Percebo um homem observando meu trabalho. Pergunto a ele, o que você está achando? “Muito barulho”, responde Gaspar Souza, jornaleiro do bairro.

Luta contra o preconceito

Depois do almoço, pego uma carona com Felipe, fotógrafo e amigo de longa data do candidato, até o Parque do Planalto, local de onde partirá a próxima carreata. Pergunto a ele o que achou da decisão do parceiro de se filiar a um partido. “O Netinho sempre foi envolvido com projetos sociais. Para mim é natural que ele se filasse a um partido.” Segundo Felipe, as críticas à candidatura são fruto de preconceitos.

A presidente do PCdoB de São Paulo, Nádia Campeão, concorda. “O Netinho é um nome novo na política do estado. O que existe é uma dose grande de preconceito de certos setores políticos e até do eleitorado. Na verdade, esse mesmo preconceito também se tinha com o Lula e o Lula mostrou que foi o melhor presidente da República que o Brasil já teve.Tenho certeza de que o Netinho vai ser um grande senador.”

Já no Parque do Planalto, assim como Nádia, o Dudu, um dos coordenadores da campanha, afirma: “O que existe é um preconceito contra todas essas pessoas que saíram das camadas mais pobres da população e ingressaram na política. Esse preconceito o Lula também já sofreu e, certamente, outros operários como ele, que disputaram e venceram eleições, também já sofreram.”

Uma história de superação

Por volta das quatro da tarde, a carreata sai do Parque do Planalto para a Praça da Árvore, na Cohab (Conjunto Habitacional Presidente Castelo Branco), o lugar onde tudo começou para Netinho. Dezenas de mãos surgem de pequenas janelinhas. Todos querem dar um “oi” para o candidato. O clima é de confraternização pelas ruas. No carro de som alguém lembra: “Pessoal, nesta eleição a gente vota em dois candidatos para o Senado, é Netinho e Marta”.

Consigo me aproximar de Netinho. Como você vê os que desqualificam sua candidatura? “Quando eu vendia doce bem aqui (aponta para a estação de trem Miguel Costa), para eles eu era ‘trombadinha’. Quando eu montei meu grupo de pagode, não era música, era lixo cultural. Quando eu fui para a televisão, não era um programa de ajuda, eu era assistencialista. E político, para eles eu não sou político, eu sou oportunista. Eu desisti de tentar me explicar para estas pessoas. Eu prefiro falar para estes que estão aqui.”

Em frente à lanchonete, local onde se reunia o Negritude Junior, o carro de som para. Netinho está entre amigos, gente de casa. O sol vai se pondo entre os prédios da Cohab. Ele lembra histórias de fome da infância difícil. “Estou vendo várias mães que cuidaram de mim quando a minha mãe faleceu”, diz Netinho, segurando o choro. “Saibam que se eu me eleger não vou decepcionar vocês”. Em cima e embaixo do carro de som todos se abraçam. Ainda faltam 30 dias para Netinho selar mais um capítulo de sua história.

Do site Vermelho.

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