sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O êxito e os desafios do Bolsa Família

É um programa social muito bem-sucedido. Atende a cerca de 12 milhões de famílias, é bem focalizado (chega principalmente às famílias mais pobres), custa relativamente pouco e tem impactos consideráveis sobre a pobreza e a desigualdade de renda.

- Por Naercio Menezes Filho, no Valor Econômico

Além disto, as famílias que recebem os recursos do programa têm, como contrapartida, que matricular os filhos na escola e manter a vacinação em dia. O programa é exemplo das modernas políticas de transferências condicionais de renda.

O custo do Bolsa Família, cerca de 0,4% do PIB, é baixo tendo em vista o impacto sobre a pobreza. O valor atual do benefício é de R$ 68 para as famílias extremamente pobres (com renda familiar per capita abaixo de R$ 70 mensais), mais R$ 22 para cada filho de até 15 anos de idade que esteja estudando (até o limite de três filhos) e R$ 33 para cada filho adolescente na escola. Como a renda familiar per capita média mensal dos 10% mais pobres era de apenas R$ 35 em 2003, acrescentar R$ 112 para uma família de quatro pessoas (com duas crianças na escola) é quase dobrar sua renda.

Não subíamos que custava tão pouco melhorar a qualidade de vida dos mais pobres no Brasil. Os políticos demoraram muito tempo para criar um programa desse tipo em larga escala. Quem fez primeiro recebeu votos nas eleições. Uma troca justa.

Além disto, o Bolsa Família é muito superior às tradicionais políticas regionais, que concedem subsídios para a abertura de empresas nas regiões mais pobres, em nome de uma possível geração de empregos. Na verdade, esses programas transferem renda da sociedade como um todo para os empresários e trabalhadores mais ricos, piorando a distribuição de renda, além dos problemas clássicos de corrupção.

Já no Bolsa Família o recurso vai diretamente para as famílias, que retiram o dinheiro nos caixas dos bancos. Isso aumentou significativamente o número de pessoas com acesso a bancos e possibilitou a criação de um grande número de correspondentes bancários pelo interior do país.

Porém, as coisas começam a ficar mais complicadas quando pensamos no que fazer daqui para frente. Devemos manter o programa como ele está? Devemos aumentar o valor das transferências? Quais são as portas de saída? Devemos ajudar os participantes a encontrarem uma atividade produtiva para sair do programa? O que eles poderiam fazer?

Para as crianças, o problema poderia ser resolvido pelas condicionalidades, já que as famílias têm que colocar seus filhos na escola e vaciná-los para receber os recursos do programa. O aprendizado e a saúde tornariam as crianças mais produtivas e fariam com que elas conseguissem progredir no mercado por conta própria.

Porém, a qualidade das escolas públicas e a situação do saneamento básico no Brasil ainda deixam muito a desejar, aumentando a incidência de doenças na infância e diminuindo o aprendizado. Assim, as principais políticas para diminuir a dependência do Bolsa Família no longo prazo são: melhorar a qualidade das escolas públicas e resolver o problema do saneamento básico.

No caso dos jovens, poderíamos seguir o exemplo do programa "Oportunidades" do México, precursor dos programas de transferências condicionadas de renda. Nesse programa, o jovem que inicia o ensino médio recebe uma conta de poupança com aportes mensais em dinheiro, cujo resultado ao fim de três anos (desde que ele obtenha o diploma) pode ser utilizado como garantia para obter um empréstimo para abrir um negócio, pagar uma faculdade privada, obter um financiamento imobiliário ou fazer um seguro-saúde. Como o acesso ao crédito ainda é restrito no Brasil (grande parte da população pobre não tem nem mesmo uma conta bancária), essa proposta teria boas chances de ter dar certo.

Para os adultos, a situação é um pouco mais complicada. O ideal seria capacitá-los com as habilidades necessárias para a reinserção no mercado de trabalho, que também os livraria da dependência. O problema é que, quando as pessoas não desenvolvem suas capacidades cognitivas (raciocínio, memória) e não cognitivas (motivação, perseverança) quando crianças, torna-se difícil desenvolvê-las na fase adulta.

E essas habilidades são necessárias para a inserção produtiva no mercado de trabalho ou em atividades empreendedoras. É por isso que os recipientes do Bolsa Família têm tanta rotatividade no mercado de trabalho, permanecendo por pouco tempo em empregos formais.

Ainda assim é necessário investir nos adultos, para compensá-los pela falta de oportunidades para adquirir educação e saúde quando eram crianças. É preciso testar propostas inovadoras, que possam superar sua deficiência crônica de capital humano.

Mas, quaisquer que sejam essas propostas, não podemos perder novamente a oportunidade de fazer uma avaliação séria do seu impacto, sorteando aqueles que serão contemplados e comparando-os com grupos de controle. Só assim saberemos o que realmente funciona para tirar as famílias da dependência no curto prazo.

* Naercio Menezes Filho é professor titular da Cátedra IFB, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e professor associado da FEA-USP

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